Recentemente encontrei na internet uma crítica muito interessante de uma obra recém lançada pelo escritor amazonense Milton Hatoum, “A noite da espera”. Instigado pelo elogios à obra e a seu autor, comprei o livro e mergulhei em sua leitura.
Trata-se da primeira parte de uma trilogia chamada “O lugar mais sombrio”, na qual o jovem paulista Martim muda-se com seu pai para Brasília, onde vivencia uma dolorosa saudade de sua mãe, uma relação fria com o pai, os amores, as amizades e as dúvidas inerentes à juventude, tudo isso tendo como pano de fundo os duros anos da Ditadura Militar.

O autor descreve o cenário inóspito da capital federal e seu impacto na vida de Martin com extrema delicadeza e sensibilidade, propiciando ao leitor uma experiência rica em detalhes e emoções.
“Saí do hotel à procura do centro da capital, mas não o encontrei: o centro era toda a cidade. Quando me perdia nas superquadras da Asa Sul, ou me entediava por não ver alma viva no gramado ao redor dos edifícios, andava até um setor comercial e a avenida W3 Sul, onde havia poucas pessoas, ônibus, carros.”
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“Os bairros e avenidas têm siglas com letras e números, me perdi no primeiro passeio pelas superquadras da Asa Sul, parecia que estava no mesmo lugar, olhando os mesmos edifícios. São bonitos, cercados por um gramado que cresce no barro; essa beleza repetida também me confundiu. Tudo confunde, nada lembra lugar algum. O céu é mais baixo e luminoso, e as pessoas sumiram da cidade.”
Para quem, como eu, já viveu em Brasília, com suas linhas inconfundíveis, seu céu deslumbrante e sua assustadora frieza, a imersão na obra de Hatoum tende a evocar lembranças e sentimentos ainda mais profundos. Em que pese o fato de que a Brasília em que morei já respirava ares de plena liberdade, livre do pesado jugo dos militares, ainda assim, me identifiquei bastante com a relação intensa e conflituosa de Martin com esta cidade que não lembra lugar algum.
Trata-se, tal qual declarava a crítica, de uma obra prima da literatura brasileira contemporânea, que termina com o fechamento de um ciclo na vida do protagonista, deixando o leitor ávido pelo que virá. Aguardo ansioso pelo lançamento da segunda parte desta trilogia para continuar vivenciando as emoções da história de Martim, entremeada à de nosso país.
“Talvez seja isto o exílio: uma longa insônia em que fantasmas reaparecem com a língua materna, adquirem vida na linguagem, sobrevivem nas palavras…”
Abraço,
Marcelo Mello