Fragmentos de Harari XI

“Até onde sabemos, de um ponto de vista puramente científico, a vida humana não tem sentido algum. Os humanos são o resultado de processos evolutivos cegos que atuam sem propósito ou objetivo. Nossas ações não são parte de um plano cósmico divino, e, se o planeta Terra explodisse amanhã, o universo provavelmente seguiria em frente como de costume. Até onde podemos afirmar no presente momento, a subjetividade humana não faria muita falta. Portanto, qualquer significado que as pessoas atribuem à própria vida é apenas uma ilusão. Os sentidos sobrenaturais que os medievais encontravam em sua vida eram não mais ilusórios do que os sentidos humanistas, nacionalistas e capitalistas que as pessoas de hoje encontram. O cientista que afirma que sua vida tem sentido porque ele contribui para um aumento no conhecimento humano, o soldado que declara que sua vida tem sentido porque ele luta para defender sua terra natal e o empreendor que encontra sentido em construir uma nova empresa são não menos iludidos do que seus semelhantes medievais que encontravam sentido lendo as Escrituras, participando de uma Cruzada ou construindo uma nova catedral.”

Yuval Noah Harari, Sapiens, págs. 402

Fragmentos de Harari X

“A literatura romântica muitas vezes apresenta o indivíduo como alguém lutando contra o Estado e o mercado. Nada poderia estar mais distante da realidade. O Estado e o mercado são a mãe e o pai do indivíduo, e o indivíduo só pode sobreviver graças a eles. O mercado nos fornece trabalho, seguro-saúde e uma aposentadoria. Se quisermos estudar uma profissão, as escolas do governo estão lá para nos ensinar. Se quisermos abrir um negócio, o banco nos empresta dinheiro. Se quisermos construir uma casa, uma empreiteira a constrói e o banco nos concede um financiamento, em alguns casos subsidiado ou garantido pelo Estado. Se a violência irromper, a polícia nos protege. Se ficarmos doentes por alguns dias, nosso seguro-saúde toma conta de nós. Se ficarmos debilitados durante meses, serviços sociais nacionais intervêm. Se precisarmos de assistência 24 horas, podemos contratar uma enfermeira – geralmente uma estranha vinda do outro lado do mundo que cuida de nós com o tipo de devoção que já não esperamos de nossos próprios filhos. Se tivermos meios para tal, podemos passar a melhor idade em uma casa de repouso. As autoridades fiscais nos tratam como indivíduos e não esperam que paguemos os impostos do vizinho. Os tribunais também nos veem como indivíduos e nunca nos punem pelos crimes dos nossos primos.”

Yuval Noah Harari, Sapiens, págs. 370

O fenômeno do individualismo serviu e serve ao fortalecimento do Estado e de seu parceiro, o “mercado”.

Atenciosamente,

Marcelo Mello

Fragmentos de Harari IX

“Essa é a pedra no sapato do capitalismo de livre mercado. Não há como garantir que os lucros sejam ganhos de forma justa, ou distribuídos de maneira justa. Ao contrário, a ânsia por aumentar os lucros e a produção cega as pessoas para qualquer coisa que possa estar no caminho. Quando o crescimento se torna um bem supremo, irrestrito por qualquer outra consideração ética, pode facilmente levar à catástrofe. Algumas religiões, como o cristianismo e o nazismo, mataram milhões por ódio fervoroso. O capitalismo matou milhões por pura indiferença unida à ganância. O comércio de escravos no Atlântico não derivou do ódio racista para com os africanos. Os indivíduos que compraram as ações, os corretores que as venderam e os administradores das empresas de comércio de escravos raramente pensavam nos africanos. O mesmo pode ser dito dos proprietários das plantações de açúcar: muitos deles viviam longe das plantações e a única informação que exigiam eram livros contábeis com registros precisos de lucros e perdas.”

Yuval Noah Harari, Sapiens, pág. 341

Fragmentos de Harari VIII

“Os cientistas forneceram ao projeto imperialista conhecimento prático, justificativas ideológicas e aparatos tecnológicos. Sem essa contribuição, é extremamente questionável se os europeus teriam conquistado o mundo. Os conquistadores devolveram o favor fornecendo aos cientistas informações e proteção, apoiando todo tipo de projeto estranho e fascinante e disseminando o modo de pensar científico aos quatro cantos da Terra. Sem o apoio imperial, é duvidoso que a ciência moderna tivesse ido tão longe. Há pouquíssimas disciplinas científicas que não começaram a vida como servas do crescimento imperial e que não devem grande parte de suas descobertas, coleções, edificações e bolsas de estudos à ajuda generosa de oficiais do exército, capitães de marinha e governantes imperiais.”

Yuval Noah Harari, Sapiens, págs. 313 e 314

Fragmentos de Harari VII

“A história não pode ser explicada de forma determinista e não pode ser prevista porque é caótica. Tantas forças estão em ação, e suas interações são tão complexas, que variações extremamente pequenas na intensidade dessas forças e na maneira com que interagem produzem diferenças gigantescas no resultado. E não é só isso: a história é o que chamamos de sistema caótico ‘nível 2’. Os sistemas caóticos podem ter duas formas. O caos nível 1 é o caos que não reage a previsões a seu respeito. O clima, por exemplo, é um sistema caotico nível 1. Embora seja influenciado por uma série de fatores, é possível criar modelos computadorizados que levem em consideração um número cada vez maior desses fatores e produzam previsões do tempo cada vez melhores.

O caos nível 2 é o caos que reage a previsões a ser respeito e, por isso, nunca pode ser previsto com precisão. Os mercados, por exemplo, são um sistema caótico nível 2.”

Yuval Noah Harari, Sapiens, pág. 249

Fragmentos de Harari III

“A escrita nasceu como uma serva da consciência humana, mas pouco a pouco se tornou sua senhora. Nossos computadores têm dificuldade para entender como o Homo sapiens fala, sente e sonha. Portanto, estamos ensinando o Homo Sapiens a falar, sentir e sonhar na linguagem dos números, que pode ser entendida por computadores.

Computadores podem acabar por superar os humanos nas mesmíssimas áreas que fizeram do Homo sapiens o governante do mundo: inteligência e comunicação. O processo que comecou no vale do Eufrates há 5 mil anos, quando os sumérios ‘terceirizaram’ o processamento de dados do cérebro humano para as tabuletas de argila, culminaria no Vale do Silício, com a vitória do tablet. Humanos ainda estariam por aqui, mas não conseguiriam mais entender o mundo. O novo governante do mundo seria uma longa fila de zeros e uns.”

Yuval Noah Harari, Sapiens, pág. 140

Fragmentos de Harari I

“A Primeira Onda de Extinção, que acompanhou a disseminação dos caçadores-coletores, foi seguida pela Segunda Onda de Extinção, que acompanhou a disseminação dos agricultores e nos dá uma perspectiva importante sobre a Terceira Onda de Extinção, que a atividade industrial está causando hoje. Não acredite nos abraçadores de árvores que afirmam que nossos ancestrais viveram em harmonia com a natureza. Muito antes da Revolução Industrial, o Homo Sapiens já era o recordista, entre todos os organismos, em levar as espécies de plantas e animais mais importantes à extinção. Temos a honra duvidosa de ser a espécie mais mortífera nos anais da biologia.

Yuval Noah Harari, Sapiens, pág. 84

Onde estaremos quando tudo isso passar?

Caros amigos, estamos vivenciando um dos períodos mais desafiadores das últimas décadas. A pandemia global do coronavírus tem gerado um cenário de medo, sofrimento e incerteza sem precedentes em nossa história recente. As autoridades ao redor do mundo buscam compreender a extensão da crise e todos os seus impactos, ao mesmo tempo que precisam tomar decisões extremamente difíceis e, cujos efeitos colaterais, são altamente preocupantes.

“Essa tempestade vai passar. Mas as escolhas que fizermos agora podem mudar nossas vidas nos próximos anos.” (Yuval Noah Harari)

São inúmeras as dúvidas que todos temos acerca de quais caminhos adotar para superação deste trágico evento, contudo, em que pese a urgência que este cenário impõe, algumas perguntas de mais longo prazo começam a surgir: que mundo teremos quando isso ocorrer? Quais os impactos de nossas decisões imediatas? O que queremos preservar e o que desejamos mudar em nosso modo de vida? Na esteira destas questões, gostaria de compartilhar aqui um artigo que li no site Papo de Homem e que foi publicado (originalmente) no Financial Times pelo filósofo e escritor israelense Yuval Noah Harari, autor dos best sellers Sapiens e Homo Deus. Com a perspicácia e profundidade características de seus livros, ele nos brinda com um texto brilhante, que nos leva a uma necessária reflexão sobre o impacto de nossas escolhas como sociedade para o futuro da humanidade.

Artigo “o mundo após o coronavírus”

Espero que usufruam desta leitura e que as ideias de Yuval possam, de alguma maneira, nos ajudar a enfrentar esta tempestade sem perder de vista a bonança que, esperamos todos, virá.

abraço fraterno,

Marcelo Mello

Resenha do livro “O mundo que não pensa” de Franklin Foer

Recentemente fiz uma busca pelo termo “Sapiens”. Meu intuito era verificar o preço da edição impressa do best seller de Yuval Noah Harari, “uma breve história da humanidade”. Eis que, dentre os resultados apresentados, surgiu este livro, com seu título provocativo e com um alarmante subtítulo que realmente capturou minha atenção: “a humanidade diante do perigo real da extinção do homo sapiens”. Acabei comprando o livro, cuja leitura conclui em poucos dias.

Trata-se de um texto muito fluído e agradável. O autor apresenta seus argumentos de forma clara e objetiva, incluindo várias histórias e personagens para consolidar e exemplificar seu ponto de vista.

O fio central do livro é uma aguda crítica as mega corporações de tecnologia de nossa era. Sem meias palavras, Foer detona o excessivo poder, o monopólio da informação e do comércio digital, bem como o desrespeito à privacidade de seus clientes e usuários, por parte das gigantes Amazon, Google e Facebook. O autor também explora a intensa desvalorização do trabalho intelectual de escritores e produtores de conteúdo fomentado pelos modelos de negócio extremamente agressivos destas empresas.

“[Os algoritmos] tomam decisões sobre nós e em nosso nome. O problema é que quando terceirizamos o raciocínio para as máquinas, na verdade estamos terceirizando o raciocínio para as organizações que operam as máquinas.”

O autor chama a atenção para os riscos de tais corporações estarem acumulando incríveis quantidades de dados sobre nossos interesses, hábitos e preferências, acabando por nos conhecer melhor que nós mesmos e adquirindo uma perigosa e antiética capacidade de influência sobre o destino de nossas vidas e sobre os rumos de nossa sociedade.

“Os algoritmos são um problema novo para a democracia. As empresas de tecnologia se vangloriam, sem muita vergonha, de como conseguem conduzir os usuários a um comportamento mais virtuoso – como nos induzem a clicar, ler, comprar ou até votar. São estratégias muito poderosas, porque não vemos a mão que nos conduz. Não sabemos como a informação foi moldada para nos instigar.”

O livro de Foer é praticamente um manifesto contra o conformismo e a alienação de nosso livre arbítrio em troca da comodidade e simplificação oferecidas pelos algoritmos determinam o que lemos, compramos, com quem interagimos e, em última instância, o que pensamos sobre o mundo. É também um grito em defesa do papel da imprensa como alicerce da democracia e da valorização do trabalho intelectual, o qual, segundo ele, tem sido destruído pelas garras cruéis do mercado. Neste ponto, o autor pode soar um tanto o quanto utópico e saudosista (de seu tempo como editor de uma tradicional revista impressa), contudo, creio que não devemos desconsiderar seus argumentos, os quais merecem de nós ao menos uma sincera reflexão: que valor damos à nossa liberdade e à nossa privacidade?

um grande abraço,

Marcelo Mello